Era um crucifixo pequeno, discreto. Victorfoi a campo com ele. Presente de um torcedor, via roupeiro do elenco. O goleiro pegou o objeto e o depositou dentro do gol. Afinal, era o momento mais importante da vida dele, era o momento supremo da existência do Atlético-MG, era a decisão por pênaltis da Libertadores da América - e qualquer ajuda seria bem-vinda. Foi tiro certo: na primeira batida, o camisa 1 do Galo defendeu. E aí foi lá o goleiro Martin Silva, do Olimpia. E pegou o crucifixo. E o jogou para trás do gol. Victor encarou o rival. Parecia disposto a voar no pescoço dele. E assim ocorreu, em meio aos instantes da Libertadores, uma espécie de "guerra santa" entre os goleiros. Um botava o crucifixo no gol, o outro ia lá e tirava. Até Victor ser campeão.
- Ele tem problemas. Mas meu santo é mais forte do que o dele - provocou o herói do título atleticano.
Mais uma vez, o Atlético-MG teve que passar pela agonia das penalidades. Mais uma vez, foi salvo por Victor, eternizado na história do clube. O drama é recorrente: foi assim contra o Tijuana, nas quartas de final, quando o arqueiro impediu gol de Riascos aos 48 minutos da segunda etapa; voltou a ser nas semifinais, diante do Newell’s Old Boys, quando a vaga na final veio após defesa em chute de Maxi Rodrígues; e se repetiu na grande decisão, quando Victor pegou logo a primeira batida, de Miranda, e viu a de Gimenez explodir no alto da trave para decretar o primeiro título da América do Galo. Foi a senha para a liberdade: o goleiro chorou aos prantos no gramado do Mineirão, abraçado pelos colegas, celebrado por torcedores.
Antes de tudo isso, Victor repetiu manias, atos de superstição, de fé. E até catimba. Logo que se dirigiu para debaixo da meta, deu as costas para o batedor, se pendurou no travessão e olhou fixo para as redes. Em seguida, repousou pouco atrás da linha fatal o crucifixo, recebido pouco antes das mãos do massagista do clube, Belmiro.
E o goleiro impediu, com os pés, que a imagem fosse perturbada de seu sossego, ao defender chute de Miranda que ia em sua direção. Aí veio o goleiro Martín Silva, que logo partiu em direção ao árbitro para reclamar de um adiantamento do rival na hora da cobrança. Não satisfeito, foi até o bandeira continuar o choro. Agachado, esperando o chute de Alecsandro, Victor fez um gesto de silêncio para Silva, como quem diz: “Não venha me atrapalhar aqui.” Alecsandro marcou e abraçou o companheiro. Na bola seguinte, de Ferreira, o protetor do Galo acertou o canto e por muito pouco não defendeu mais uma. A bola passou rasteira, por baixo do corpo do goleiro.
Aí veio a catimba de Silva, que percebeu o amuleto de Victor próximo à linha e o arremessou para trás da rede. O castigo veio com o gol. Victor percebeu a ação do rival e mais uma vez colocou a imagem junto à linha. O gol saiu, e mais uma vez Silva atirou o santinho para longe. Outro gol, e o ritual se repetiu, só que, ao também ser vazado, o santo atleticano carregou consigo o objeto protetor.Chegou a vez de Giménez. Meio cabisbaixo, o camisa 4, que havia entrado no decorrer da partida, não olhou para o arqueiro rival. Victor, por sua vez, não tirou os olhos do batedor. Com o braço, insistiu para que ele chutasse em seu canto esquerdo. A batida foi alta, no canto oposto, longe do alcance do goleiro do Galo, mas também fora do alvo, explodindo na trave.
Aí foi alegria geral da equipe, do goleiro, da comissão técnica e de quase 60 mil atleticanos que jamais viveram um momento parecido com esse. Victor foi erguido no ar pelos colegas. Foi abraçado. E chorou, chorou, chorou.
Mais tarde, depois de dar a volta olímpica, ao rumar para o vestiário, se permitiu um desabafo. Berrou um palavrão e um recado ao Olimpia:
- Vocês falam demais!